segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

domingo, 27 de janeiro de 2013

Extrato de Gramática Grega - obra Padre Rolim, editada em 1856

Edição de 1856
A GRAMÁTICA DA CULTURA
Comentários do Doutor Sebastião Moreira Duarte sobre a obra do Padre Rolim: Gramática Grega
A GRAMÁTICA DA CULTURA
Tempos houve - o têmpora, o mores! - em que nos rincões perdidos do Nordeste brasileiro se estudava Latim e Grego, como quem cumpria uma tarefa de identificação pessoal. Inacreditável, como seja, para o que depois chegou a oficializar-se como leitura simbólica da Região, este fato levou gerações, ainda nos anos verdes da média escola, ao convívio diário com figuras e palavras que hoje talvez fossem até tomadas como nomes feios: Cornélio Nepos e Fedro, Catulo, César e Cícero, Scilústio e Tito Lívio, Ovídio e Virgílio, Horácio, de um lado, levavam, de outro, à cama­radagem com vultos como os de Píndaro, Anacreonte, Heródoto, Tucídides, De- móstenes, Esquilo, Sófocles, etc., sem falar em encontros com o cínico Diógenes, com o sisudo Plutarco, ou com esse barbudo Ulisses, o marinheiro da perene procura.
 Havia nisso tudo, é verdade, certo encanta- mento beato que não indagava o que o aluno iria fazer dos clássicos, mas o que os clássicos iriam fazer do aluno. De todo modo, adquiria-se a cons­ciência de que, enraizado no chão como toda árvore viva, o homem brasileiro deveria buscar a explicação de si lá onde se fundam as origens de sua cultura: na herança greco-latina. E, afinal, quem fosse educador não poderia desconhecer, in illo tempore, a verdade de que todos nós, como disse Euclides da Cunha, somos mistura de celtas, tapuias e gregos. Estudar as humanidades clássicas era já cumprir o mandamento oracular de conhecer-se a si mesmo.
    Tal foi, sem dúvida, o entendi- mento do Padre Inácio de Sousa Rolim (1800-1899), essa figura singular de civilizador nor- des­tino, que, gra- ças à pesquisa te- naz de alguns es- tudiosos1 vem dei­xando o nimbo de lenda em que, até certo ponto, se envolvia, para ga- nhar mais terreno em meio à rea- lidade histórica e revelar-se nos cla- ros contornos do perfil que traçou de si mesmo, com obsessão, ao longo de sua existência centenária: a do mestre escola, in- teiramente dedicado à causa do ensino.
Do Padre Rolim cita-se a autoria de um tratado de Filo- sofia, outro de Retórica, uma Gratica Portu- guesa, além de uma Gramática Grega e um livro de Ciências Natu- rais. Falar do “Educador dos Sertões” obriga a citarem-se esses dois opúsculos - os únicos a terem alcançado a letra de imprensa - com entusiasmo in- versamente pro- porcional à pos- sibilidade de manuseio de suas páginas, raríssimo e dificílimo como tem sido o acesso a uma e outra. Da Gramática Grega, tem-se divulgado, curiosamente, a folha de rosto - não mais que isso! - como só a passar certificado que, sim, ela existe. Mas, como o nome do Autor não consta do frontispício da obra referida, já se chegou a publicar dita folha sem que se tenha dado a conhecer quem teria escrito o compêndio.
Primeira página
   Eis, pois, o Extrato de Gramática Grega, na sua inteireza, a renovar e enriquecer a Bibliografia brasileira, como um passo adiante para tornar mais conhecida afigura do Padre Rolim. Dadas as características de obra que interessa mais a especialistas, nenhuma forma mais adequada de reapresentá-la do que a do fac-símile: fazê-la retornar “em sua primitiva pureza”. Assim se tem à mão e se verifica, pela vista e pelo tato, o propósito e as proporções deste trabalho do Mestre Sertanejo.
Note-se, nesse sentido, que não foi gratuito gesto de hones¬tidade intelectual ter o Padre Rolim intitulado seu pequeno volume de extrato e omitido o próprio nome da primeira página do livro. É que ele quis deixar à mostra o nome do autor da obra de onde extraiu a matéria que manipulou: Frei Custódio de Faria, religioso agostiniano, professor do Colégio da Graça, em Coimbra, que, depois, acompanhou a comitiva de D. João VI ao Brasil. Pode-se imaginar sem esforço a dificuldade de encontrar livros didáticos, principalmente de uma língua antiga, mesmo num centro cultural como o Recife, onde Inácio Rolim fora convidado a iniciar a cadeira de Grego. A escolha de Frei Custódio de Faria significava a opção por um excelente texto, mas que havia sido publicado em 1790 e, com toda certeza, não estaria ao alcance dos pupilos do Liceu Pernambucano.
Agradecimentos
Ressalta, desde aí, uma vez mais, como foi o traço do educador que veio a resumir e explicar as muitas feições que assu¬miu a personalidade polimorfa de Inácio Rolim. Não fosse a premência de atender à sua tarefa de professor, não haveria talvez razão para o cometimento de que resultou o Extrato.
O que o termo extrato diminui do empreendimento do Padre Mestre foi o trato que ele soube dar à obra de Frei Custódio de Faria, em si mesma um texto que se pode dizer irretocável na clareza da abordagem e na apresentação sucinta dos pontos básicos do Grego. Basta lembrar que, mesmo incluindo o catálogo de abrevi¬aturas de códices antigos transcrito pelo novo Mestre do Liceu Pernambucano, o trabalho de Faria alcança só a 142 páginas. Rolim segue-lhe os passos com profunda atenção e consegue reduzi-lo a quase a metade - ainda quando aí inclua uma pequena antologia das fábulas de Esopo, não constantes do original de Faria - sem perder aquilo que, em síntese e de primeira aproximação, haveria de convir transmitisse aos seus estudantes. Aí se pode ver uma demonstração palpável dos grandes atributos de expositor de que deveria ser dotado. Por exemplo, veja-se este acréscimo a Frei Custódio de Faria, que ajuda ao iniciante penetrar as maranhas da língua helênica: "Sendo essencial a todo verbo significar ação ou paixão, não podem haver mais do que duas vozes: ativa e passiva: todavia, no Grego chamam voz média aquela que, tendo em uns tempos forma passiva, em outros forma ativa, tem de ordinário a significação ativa ou comum” (p. 26).
Capa da edição do Prof. Sebastião
    Além disso, vale observar que correm “dois textos” para¬lelos dentro das páginas do Extrato: um “genérico”, no corpo principal da folha impressa, para o primeiro contato da parte do aprendiz; o outro, “específico”, convidando, nas notas em corpo menor, a um estudo mais atento dos detalhes, das variantes, das exceções, etc.
Claro está, no cotejo entre os dois opúsculos - o original, impresso em Coimbra, e o seu derivado, saído em Paris - que o segundo perde um tanto em qualidade em relação ao que lhe deu origem. Para citar um caso, a tipografia, na gramática de Rolim, omite muitas vezes acentos e espíritos, indispensáveis, sobretudo em escritos de intenção didática.
Enfim, não cabe explicar por que se publica um livrinho que é cópia de outro livrinho. Não será por aí que vamos avaliar, como devido, a grandeza e a riqueza desse tesouro escondido da Bibliografia sertaneja. A verdade é que, se era preciso resgatar e dar a público um documento que fala muito do que foi a cultura nordestina e brasileira, mais evidente se tornaria pedir desculpas a esse público por se demorar quase século e meio para cumprir-se tal dever. Desculpas ao público e, claro, ao Padre Rolim, que, monu¬mento cultural, não só mereceria outro tratamento das gerações advindas, mas, apóstolo da educação e do ensino ele mesmo, tanto fez para que se aprendesse o devido apreço aos valores que afirmam a passagem e a permanência do homem sobre a terra.
Sebastião Moreira Duarte
Universidade de Illionois
junho de 1992


1 Vejam-se as biografias Padre Mestre Inácio Rolim, do Pe. Heliodoro Pires, e O Educador dos Sertões, de Deusdedit Leitão, vols. 1Q e 22 da coleção “Documentos Sertanejos”.